sexta-feira, 11 de março de 2011

O PROFESSOR COMO INTELECTUAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


Sem querer fugir do tema em discussão neste blog, que é a educação à distância, tomo a liberdade de deixar aqui registrada uma brilhante reflexão de Milton Santos sobre a atuação docente na sociedade contemporânea, focando especialmente a perspectiva intelectual dos professores.

O texto, na verdade, é a transcrição do pronunciamento do Professor Milton Santos na conferência de Abertura do IX ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E RÁTICA DE ENSINO, realizado em Águas de Lindóia - SP, de 4 a 8 de maio de 1998.

Nessa época, pelo menos no Brasil, a internet ainda era novidade. Sendo assim, educação à distância existia somente pela TV, rádio e outros meios de comunicação.

Contudo, o professor Milton Santos analisa as tecnologias (existentes à época) frente a atuação docente. É possível, portanto, uma analogia da relação entre professores e a atual educação à distância, disponibilizada nas plataformas virtuais.


O PROFESSOR COMO INTELECTUAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Prof. Milton Santos


Nos inícios da história, as técnicas e o trabalho eram conformados em sua relação com o meio geográfico. Eram técnicas dóceis às exigências do entorno e do grupo, que assim era capaz de exercer sua política. Esta se define como a escolha, no momento dado, das ações desejáveis e possíveis. E a primeira das ações do homem é aquela sobre o seu entorno, ao qual se chamava, no passado, natureza, e que, hoje, podemos chamar espaço, na medida em que o entorno do homem é cada vez menos natural. A natureza foi, de alguma maneira, expulsa do espaço do homem, e o que se põe em lugar dela é um produto da técnica, de tal modo  que, nas cidades, e também nos campos - e o interior do Estado de São Paulo é uma prova disso - a realização humana acaba sendo uma ação da inteligência sobre a inteligência. É, aliás, também nesse sentido, que vivemos o século da inteligência, porque as coisas resultam da inteligência do homem, sobre as quais a inteligência como ação se exerce.

Hoje, em sua produção, a técnica se subordina a uma criação exógena aos grupos, obedientes a uma demanda de ação que é também bem exógena, comandada pelo que, equivocadamente, mas insistentemente, ainda chamamos de "mercado global". Essa técnica é, de alguma forma, tornada autônoma quanto à produção local das idéias políticas e quanto à sua concretização como história. Em lugar, pois, de um tempo dos Homens, o que vimos assistindo realizar-se é um tempo da técnica-mercado, isto é, a técnica subordinada a esse "mercado global". A conseqüência mais importante é que o grupo passa a atuar sem política própria, o que, aliás, é o caso do Brasil hoje, onde o Estado e os políticos renunciaram à política e são, afinal, as empresas globais que fazem a política, jogando o Estado, pelos seus aparelhos, à situação de apenas secundar a política exigida pelo "mercado global", ao qual se subordina. Ao mesmo tempo, essa técnica assim imposta leva a uma crescente separação entre ciência e verdade, entre ciência e saber, ciência e filosofia. Até o começo deste século, quando nos referíamos a "ciência", inclinávamo-nos diante dela, certos do que era portadora da verdade. Hoje, sabemos que freqüentemente ela está em divórcio com a verdade, quando subordinada a razão técnica, que, ela própria, é subordinada ao mercado. Neste caso, escolhe algumas ações e afastam outras e desse modo torna-se distante da verdade. E, sendo cada vez mais algo do interesse das coisas, isto é, do mercado.

Por Milton Santos

Professor Emérito da Universidade de São Paulo

Saiba mais sobre o Milton Santos, http://www.google.com.br/

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